Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição

de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

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Reginaldo Medeiros, da Abraceel: Marretando o termômetro

Reginaldo Medeiros, da Abraceel: Marretando o termômetro

Em: 13/10/2014 às 16:32h por Canal Energia

Uma frase muito utilizada em algumas análises na Ciência Política diz que “uma mentira quando é contada mil vezes torna-se uma verdade”. É assim também com a questão da formação de preço no mercado de energia elétrica brasileiro.
Há pouca dúvida que estamos vivendo uma escassez de energia no Brasil, com custos de produção elevados e, consequentemente, preços altos no mercado elétrico de curto prazo. Embora não seja consensual, também não há grandes questionamentos sobre a existência da lei da oferta e da procura na economia. O preço, como expressão monetária do valor, é o seu termômetro. Os livros-texto preveem duas soluções práticas quando o preço está alto e se deseja reduzi-lo. Ou se aumenta a oferta ou se diminui o consumo.
Embora a formação de preços da energia seja um pouquinho mais complexa, ela não foge muito aos fundamentos econômicos. Uma alternativa não convencional seria “diminuir artificialmente o preço”, ou seja: reduzi-lo por decreto. Esta alternativa tem sido chamada pelo mercado de marretar o PLD – Preço de Liquidação das Diferenças – que é o termômetro da oferta e demanda de energia no Brasil.
Vamos por partes: a principal característica dos mercados de energia é o processo de despacho físico do sistema e formação de preços de curto prazo (ou preços “spot”). Existem basicamente dois tipos de solução: (i) formação de preços pelo mercado - oferta x demanda - e despacho baseado nos preços ofertados, que é a solução adotada em numerosos países, inclusive os dotados de sistemas fortemente hidrelétricos como os casos da  Noruega e da Colômbia; e (ii) despacho centralizado baseado em custos ou preços auditados. Nós, da Abraceel, defendemos o primeiro, embora toda a discussão atual se dê em torno da situação brasileira, que é a segunda alternativa.
No Brasil, o planejamento da operação energética é realizado de forma centralizada e coordenada pelo ONS através de modelos computacionais. As usinas são despachadas com base na ordem de mérito econômico, ou custo marginal de produção – teoria marginalista: da mais barata para a mais cara. Um subproduto das decisões operativas é o “custo marginal de operação”, base para formar o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) na CCEE.
Recentemente, a Aneel abriu uma Consulta Pública para discutir essa questão com um fundamento técnico sólido – na essência manter os fundamentos econômicos para a definição do piso e o teto do PLD. Os agentes se manifestaram de forma diversa: uma parte quer a manutenção dos fundamentos econômicos e outra parte deles quer uma solução pragmática, em face das circunstâncias atuais, de “marretar o PLD”, tendo em vista que analisam suas posições individuais conjunturais de exposição ao preço alto e veem como solução imediata: a marreta. Mas isto tem implicações práticas, em particular para o consumidor.
Em primeiro lugar, o preço é simplesmente o termômetro da oferta e demanda. Assim, um PLD artificialmente maior ou menor não vai aumentar nem diminuir a oferta de energia. Tampouco os custos de produção serão alterados. O que vai haver é uma dança do dinheiro entre os agentes sobre quem paga a conta. Para o consumidor, uma ineficiência na definição dos preços de curto prazo – e consequente descolamento do despacho físico – gera uma perda do sinal econômico e o afastamento do ponto ótimo de produção e consumo de equilíbrio do mercado, gerando ineficiência produtiva e alocativa dos recursos, além de custos (ESS_SE) a serem pagos pelos próprios consumidores. Na prática, o que está em discussão é a transferência de custos que seriam pagos por agentes descontratados no mercado para os consumidores de energia, mesmo aqueles que adotaram uma estratégia correta de contratação.
Em um mercado em equilíbrio, os preços devem ser suficientes para cobrir os custos fixos e variáveis dos geradores. Se o preço não recuperar os custos fixos, investidores não construirão novas usinas, ou usinas em operação serão desativadas por desequilíbrio econômico-financeiro e um aumento de demanda (em relação à oferta) elevará esse mesmo preço. Por outro lado, se o preço fornecer mais renda que o necessário, novos investidores construirão usinas para se apropriar desta renda, o que aumentará a oferta e o preço cairá.
Outro aspecto relacionado a incentivos econômicos é a resposta da demanda ao preço. Reduzir o teto de preço na marreta significa transferir os custos de geração por outras formas menos eficientes – no caso, via encargo de serviço de sistema. Ao se perder o sinal da escassez dos recursos, o consumo é mantido e, consequentemente, a necessidade da geração com preços elevados. Assim, reduzir o limite de preço de curto prazo não significa diminuir o custo, mas somente a sua forma de alocação.
No mercado livre, os consumidores – mesmo contratados – percebem os sinais de preços de curto prazo e são capazes de reagir, reduzindo seu consumo em momentos de escassez (preços elevados) e aumentando sua carga em momentos de abundância de recursos (preços baixos).
A resposta da demanda é um instrumento valioso à disposição do setor elétrico brasileiro e de seus consumidores, capaz de alinhar os objetivos de segurança e confiabilidade do abastecimento com a modicidade de preços e tarifas estabelecida em Lei, tornando-se uma aliada do regulador, operador e governo.
A questão da marretada do PLD está sendo discutida há algum tempo no setor como uma solução pragmática para as circunstâncias atuais, sendo que muitos repetem acriticamente, sem demonstrar a máxima que o preço elevado no mercado livre beneficia a um conjunto pequeno de agentes em detrimento do consumidor de energia elétrica. A decisão a ser tomada pela Aneel sobre os limites do PLD não deve ser contaminada pela situação conjuntural de exposição de alguns agentes, mas, sim, pelos fundamentos estruturais do setor, privilegiando a contratação de energia e os sinais econômicos para agentes, consumidores e investidores. Será que no período eleitoral que estamos vivendo, no qual o marketing político tem prevalecido sobre o fundamento das questões, também vai prevalecer na formação do preço da energia elétrica o falso argumento repetido mil vezes? 
Por essa razão, sempre defendi a independência da Aneel para que a Agência tome decisões consistentes e coerentes em favor dos consumidores no longo prazo e não se renda as circunstâncias do momento.