Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição

de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

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O Descompasso entre Transmissão e Geração de Energia Elétrica no Brasil

O Descompasso entre Transmissão e Geração de Energia Elétrica no Brasi

Em: 12/04/2012 às 11:59h por Canal Energia

Desde a implantação do modelo de 2003-2004, o Setor Elétrico Brasileiro vem conseguindo manter o equilíbrio dinâmico entre oferta e demanda de energia elétrica em função, entre outros, da recuperação da capacidade de planejamento de médio e longo prazo, de uma atuação pró ativa do BNDES e principalmente da consolidação do marco regulatório e articulação entre as instituições públicas que formulam e executam a política elétrica nacional.

No entanto, no segmento da transmissão há evidências de descompassos entre a entrada em funcionamento dos lotes de linhas de transmissão - LT - com o início da operação de novas unidades da geração. Estes atrasos podem trazer problemas para o SEB, conforme se pretende analisar nas breves linhas deste artigo.

Os leilões de energia nova são realizados com a antecedência de 3 e 5 anos (A-3 e A-5) e seus volumes de contratação são determinados por uma sistemática de planejamento que leva em consideração as estimativas formuladas pelas distribuidoras. Já os leilões de LT são realizados praticamente ex post aos leilões de energia nova. Os novos lotes de LTs são licitados com o objetivo de viabilizar as novas interconexões derivadas das novas centrais e de reforços da Rede Básica. Os leilões de transmissão definem os empreendedores vencedores, as RAPs (Receita Anual Permitida) e os prazos de entrega das LTs.

A relação entre geração e transmissão vem encontrando problemas de ajuste temporal. Um exemplo concreto deste descompasso foi a hidrelétrica de Dardanelos (261 MW), no Mato Grosso. A usina foi concluída no início de 2011, mas só entrou em operação comercial em agosto do mesmo ano, após a conclusão da linha de transmissão que conectou o empreendimento ao sistema interligado nacional (SIN). Outro exemplo mais contundente e emblemático é a previsão de atraso pela Aneel nas linhas de transmissão de extra-alta tensão (600 kv), que ligará o Complexo do Rio Madeira ao Sudeste (Porto Velho-Araraquara) e compreende obras em andamento de 2.500 km de extensão.

Diferentemente das centrais hidroelétricas, que só entram nos leilões com a licença prévia outorgada, nos leilões de LTs esta licença ambiental é exclusivamente da responsabilidade e risco do empreendedor. E é justamente na obtenção deste licenciamento ambiental, emitido pelos órgãos competentes, que está a causa central dos atrasos das LTs. Desta forma, vem se configurando uma situação em que os prazos determinados pelos leilões de LTs para a entrada em operação estão se tornando incompatíveis com as exigências e prazos da legislação ambiental. O tempo necessário para concessão da licença inicial depende da complexidade da linha, o qual é acrescido quando envolve longos trajetos, biomas diversos e várias jurisdições (estaduais e municipais).

A configuração deste quadro de atrasos pode trazer consequências diretas e negativas ao pleno e equilibrado funcionamento do Sistema Elétrico Brasileiro, comprometendo o suprimento da demanda, a qualidade do serviço, podendo provocar aumento da tarifa, visto a necessidade do acionamento de térmicas pelo ONS, na falta de centrais hidroelétricas conectadas ao sistema e, no limite extremo, blecautes.

No que se refere aos impactos sobre as novas usinas hidroelétricas, uma primeira perda estaria associada às perspectivas dos empreendedores de vender energia antecipada no mercado livre. Os agentes de transmissão, apesar de não sofrerem sanções pelo descumprimento de seus cronogramas de obras, quando resultado de atos de terceiros, são penalizados com o não recebimento da RAP dentro do cronograma previsto: atraso no início do desembolso da primeira parcela da RAP e redução equivalente da duração do contrato. Estes condicionantes representam custos extras para os empreendedores na construção e no complexo esquema de financiamento.

Para tentar minimizar os impactos negativos do descasamento entre expansão de geração e transmissão, a Aneel e o Ministério do Meio Ambiente (IBAMA) inovaram em duas importantes medidas.

A Agência definiu a exclusão da etapa de outorga de concessões, até então concedida pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Com a modificação, a data prevista para a assinatura dos contratos de concessão poderá ser antecipada em cerca de quarenta dias. Esta medida já foi aplicada para o Leilão de Transmissão nº. 02/2012, realizado em 09 de março.

O IBAMA publicou em outubro de 2011 a Portaria 421, que objetiva acelerar e simplificar o licenciamento ambiental de linhas de transmissão. A nova Portaria regula a atuação de órgãos ligados ao processo de licitação, como o próprio IBAMA, a FUNAI e IPHAN, no que se refere aos prazos para concessão de licença prévia, de instalação e de operação. De acordo com a Portaria, as linhas de transmissão consideradas de menor impacto ficam dispensadas da exigência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que será substituído pelo Relatório Ambiental Simplificado (RAS).

No entanto, estas medidas são de âmbito federal, o que não garante que os projetos das novas LTs sofram atrasos em função da demora da análise pelos órgãos estaduais e municipais ambientais. Ademais, as novas regras passaram a ser aplicadas nos leilões realizados a partir de outubro de 2011 (data da publicação da Portaria), não eliminando possíveis problemas nas obras que já se encontram com atrasos. Por outro lado, estas medidas só se aplicam às linhas de transmissão de menor complexidade. Importa salientar que grande parte da Rede Básica de transmissão do Brasil envolve, em sua maioria, elevado grau de complexidade e com longas distâncias. E é neste tipo de LT que os problemas são mais graves.

Para as linhas de transmissão de maior complexidade, o recomendável seria adotar, no todo ou possivelmente em parte, a mesma metodologia dada às usinas hidroelétricas que já entram nos leilões com a obtenção das licenças prévias diminuindo o risco dos investidores e a possibilidade de atraso.

Nestes termos e a título de conclusão, a busca de soluções para o descasamento entre a expansão da geração e da transmissão deve entrar na lista de prioridades da política elétrica brasileira. Os problemas e prejuízos que este descompasso pode causar para a manutenção do equilíbrio dinâmico lato sensu entre oferta e demanda de energia elétrica são potencialmente graves.

Nivalde J. de Castro é coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ. Ernesto Martelo é pesquisador do Gesel/UFRJ. Adriana Maria Dassie é pesquisadora do Gesel/UFRJ