Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição

de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

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Ar condicionado, o novo vilão

Ar condicionado, o novo vilão

Em: 22/01/2014 às 14:16h por Jornal da Energia

Em franca expansão, o consumo de eletricidade por residências e estabelecimentos comerciais no Brasil tem criado problemas para as distribuidoras de energia brasileiras. Impulsionada pelo aumento da renda da população, a compra de eletrodomésticos, notadamente aparelhos de ar condicionado, fez o consumo residencial e comercial disparar no país, com alta de 31% em cinco anos. As distribuidoras reconhecem que o novo perfil de consumo demanda maiores investimentos, mas alegam que estão sem recursos em caixa para modernizar as redes.

“O ar condicionado é o novo chuveiro elétrico”, compara o presidente da Associação das Empresas Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite. Até pouco tempo considerado o maior vilão do setor elétrico brasileiro, responsável pelos chamado horário de pico no consumo de energia – no início da noite, quando as pessoas chegam em casa após o trabalho-o chuveiro elétrico perdeu posição na escala de preocupações do setor. Com o aumento das vendas de ar condicionado nos últimos anos, vem ficando cada vez maior a diferença entre os níveis de consumo nas diversas estações do ano.

O recorde de consumo residencial de energia foi atingido em janeiro de 2013, com 10,9 mil gigawatts-hora (GWh), segundo dados da EPE, quando as altas temperaturas levaram a grande uso de aparelhos de ar condicionado – e muitos transtornos com falhas no suprimento em grandes cidades brasileiras. Em julho do mesmo ano, o consumo do segmento caiu para 10 mil GWh. Em novembro, já com a volta do calor, ultrapassou os 10,6 mil GWh. “No verão, está havendo uma super demanda em um horário ruim, no meio da tarde, que tem afetado o serviço das distribuidoras”, diz João Carlos de Mello, presidente da consultoria Thymos Energia.

Os índices de qualidade do fornecimento de energia apontam que as empresas temtido problemas para se adequar a essa nova demanda. No Rio, Light e Ampla estão com indicadores de interrupção no fornecimento acima da meta estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e encabeçam uma série de reclamações sobre falhas pontuais no abastecimento – os chamados apaguinhos. Em geral, no Brasil, a percepção sobre o serviço caiu na virada da década, segundo dados da própria agência reguladora.

“As redes de energia nos principais centros consumidores estão saturadas”, afirma o professor Edmilson Moutinho dos Santos, presidente do Programa de Pós Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (USP). Leite, da Abradee, diz que as empresas têm investido uma média de R$ 13 bilhões ao ano, mas reconhece que o novo perfil do consumo demanda mudanças na gestão das redes. “Estamos preparando um programa de modernização para apresentar à Aneel”, diz ele. “O maior consumo demanda um redimensionamento da rede para atender os poucos de consumo, senão vai haver uma deterioração da estrutura instalada”, completa.

A Abradee, porém, alega que as empresas foram penalizadas no último ciclo de revisão tarifária da Aneel e estão sem recursos para os investimentos necessários. Equerem sensibilizar a Aneel e a área econômica do governo que os custos precisam ser compartilhados com os consumidores e com instituições financeiras estatais, sob a forma de financiamentos com taxas de juros menores. “A capacidade de investimento do setor está cada vez mais estrangulada”, argumenta o executivo. O plano será apresentado à Aneel para discussão no próximo ciclo de revisão tarifária. A agência, enquanto isso, tenta endurecer as penalidades contra as falhas no fornecimento de energia, com uma proposta de regulamentação hoje em consulta pública.

Mello, da Thymos Energia, destaca que os segmentos residencial e industrial impulsionaram o consumo de energia no país nos últimos anos, enquanto o segmento industrial apresenta pouco avanço. Segundo dados da EPE, a classe residencial teve alta de 29% no consumo de eletricidade no período de cinco anos iniciado em novembro de 2008. Já a classe comercial registrou aumento de 34%. “São justamente os segmentos que dão mais dificuldades às distribuidoras, pela sua capilaridade”, comenta ele. As empresas têm experimentado grande volume de pedidos de alteração de carga por residências e comércio que adquiriram novos aparelhos de ar condicionado ou trocaram por modelos mais potentes.

“A percepção é que as distribuidoras terão que ter um cuidado operacional maior. E, claro, investir. Não adianta fingir que o problema não existe”, conclui Mello. A tendência é que o segmento residencial continue em expansão nos próximos anos, uma vez que o consumo per capita no Brasil ainda é baixo se comparado a países desenvolvidos. “Há um potencial de crescimento muito grande”, reconhece Leite.

‘Governo caiu na armadilha da inflação’ 

Para o professor Edmilson Moutinho dos Santos, presidente do Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (USP), o governo “perdeu o foco” com relação a políticas de eficiência energética, que poderiam minimizar os gargalos da rede de distribuição. Pelo contrário, acrescenta o especialista, a redução das tarifas tem ampliado o incentivo ao consumo de eletricidade no país. “O governo caiu na armadilha da inflação. Mas a pior maneira de controlar a inflação é segurar o preço de um bem que tende à escassez”, analisa Santos. No início do ano, as tarifas de eletricidade foram reduzidas a partir de ganhos obtidos coma renovação antecipada das concessões de geração de energia. O desconto, porém, está sendo mantido às custas de repasses do Tesouro para o setor elétrico, com subsídios para evitar o repasse dos custos de geração das usinas térmicas que foram acionadas no ano passado para poupar água nos reservatórios das hidrelétricas.

Para Santos, preços altos tendem a levar o usuário a buscar redução do consumo, para economizar na conta de luz. Além disso, ele defende políticas de substituição da eletricidade emdeterminados tipos de consumo. “As redes de gás das distribuidoras estão ociosas e poderiam ser usadas para reduzir o consumo com chuveiros elétricos e refrigeração, por exemplo”, explica.Omaior acesso aaparelhos de ar condicionado é apontado como um dos fatores que impulsionam o consumo de energia por residências e estabelecimentos comerciais. Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que o Nordeste impulsionou o crescimento do consumo residencial no país em2013, com alta acumulada de 11,4% até novembro, por conta da “aquisição de mais eletrodomésticos pelas famílias”. “Nos dois maiores mercados da região, Bahia e Pernambuco, que correspondem a 45%do consumo residencial, as vendas de eletrodomésticos têm superado a média nacional”, conclui a Resenha Mensal do Mercado de Energia Elétrica.

EM ALTA

R$13 bi | Volume de investimentos em distribuição de energia no país em 2013, segundo dados da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica.

31%  | Crescimento do consumo de energia por residência e estabelecimento comercial no Brasil, de novembro de 2008 até igual mês de 2013.