A alta dos custos de fornecimento de energia elétrica tem imposto um desequilíbrio de caixa insustentável para as distribuidoras de eletricidade nacionais. Os formuladores de políticas públicas precisam se mobilizar para evitar o colapso de toda a cadeia de valor do setor elétrico brasileiro, cadeia que tem nas distribuidoras a sua base de sustentação econômico-financeira. Mesmo porque, se não for sanada, esta situação ultrapassará as fronteiras do setor elétrico e comprometerá toda a economia nacional.
De forma resumida, o desequilíbrio bilionário que tem sido imposto às concessionárias se deve ao descasamento entre custos de fornecimento de eletricidade e cobertura dos mesmos por receitas tarifárias. Mas como chegamos a situação tão séria?
Quando promulgou a Medida Provisória 579, em setembro de 2012, o governo supôs que todas as geradoras de energia com concessões a vencer em 2015/2017 concordariam com a antecipação da renovação das Concessões nos termos propostos (aceitar uma indenização que sequer estava definida e um novo contrato para venda de energia na forma de cotas que cobririam apenas os custos de operação e manutenção por 30 anos). Ledo engano. Algumas pequenas usinas e as estatais controladas pelo governo federal aceitaram as condições, mas as demais empresas não aceitaram a antecipação por antever uma perda gigantesca se assim o fizessem. Tinham razão, como provou a perda de valor bilionária que a Eletrobras tem sofrido nos últimos meses.
O governo, portanto, ficou com menos cotas de energia para ratear entre as distribuidoras do que erroneamente supôs e, paradoxalmente, não realizou o Leilão “A-1” de 2012, mecanismo previsto para que as Distribuidoras possam contratar a energia necessária para atender aos seus consumidores a partir do ano seguinte. Em 2013 o governo fez dois leilões, mas com preços-teto tão baixos que nenhum gerador ofereceu energia no primeiro e, no segundo, menos da metade da demanda foi atendida. Os consumidores de energia, em nome de quem as distribuidoras compram a energia nos leilões do governo e simplesmente repassam os custos, ficaram, assim, involuntariamente expostas pelo governo ao risco de preço do mercado de curto prazo.
Estima-se em cerca de 2500 MWmédios a quantidade de energia que as distribuidoras estão sendo forçadas a comprar no mercado de curto prazo. Como a seca desse verão está obrigando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a acionar todas as usinas termelétricas de que dispõe, o preço neste mercado (“PLD”) disparou, atingindo o teto de R$ 822/MWh. O problema é agravado para aquelas distribuidoras que receberam dos leilões anteriores uma grande parcela de contratos de termelétricas “por disponibilidade”, segundo os quais as distribuidoras são forçadas a pagar um valor adicional quando as usinas são operadas. Como elas estão sendo operadas a plena carga, e por longo tempo, os custos têm se acumulado em cifras também bilionárias.
Pode-se dizer, portanto, que as distribuidoras têm concedido um financiamento aos consumidores para a compra de energia neste ano. O valor do empréstimo somaria algo entre R$ 12 e R$ 20 bilhões (estimativa que varia em função das chuvas futuras). Para se ter uma ideia da magnitude deste desequilíbrio, a disponibilidade de caixa prevista para o ano de todas as distribuidoras (LAJIDA – Lucros Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Apreciação) é estimada em cerca de R$ 10 bilhões.
Diante do problema, o governo, acertadamente, dispôs-se a criar alternativas para disponibilizar recursos na forma de um “empréstimo” para as distribuidoras de modo a postergar para depois de 2014 a cobrança do custo dessa energia aos consumidores, cobrança que terá que ser feita mais cedo ou mais tarde.
Assim, fica mais do que claro que os “socorridos” são os consumidores, que deveriam ter suas tarifas aumentadas já em 2014 para cobrir os custos de fornecimento de energia, e não as distribuidoras, como tem sido dito em alguns fóruns.
A sustentabilidade financeira do setor está em jogo, e o governo está correto em fazer esses aportes emergenciais para evitar o desmoronamento de toda a cadeia de valor setorial. Afinal, as contas de luz arrecadadas pelas 63 distribuidoras nacionais são a única fonte de recursos de cobertura de todos os custos de geração, transmissão e distribuição. Como as contas de luz deixaram de refletir as receitas requeridas para cobrir tais custos, todo o setor passa a correr o risco de se tornar insustentável.
O socorro aos consumidores por meio de soluções que aliviem a pressão de caixa sobre as empresas precisa ser rápido, intenso e sem contabilidades criativas.
Quaisquer que sejam as medidas concebidas pelo governo, dois princípios fundamentais precisam ser respeitados. O primeiro é que tais medidas não gerem custos adicionais para as empresas. Afinal, não foram elas que geraram o desequilíbrio atual.
O segundo princípio enfrentará resistências em função do calendário eleitoral, mas em algum momento alguém precisará contar para os consumidores que os custos de energia estão subindo e que as tarifas precisarão voltar a refletir a realidade.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)