A alteração da metodologia atual dos leilões para que os certames ofereçam chances iguais de competição entre as fontes alternativas é um dos pontos defendidos pelos investidores em pequenas centrais hidrelétricas. Excluídos dos últimos leilões de energia, esses empreendedores acreditam que a melhor solução para a construção de um mix adequado de fontes na matriz elétrica brasileira é o desenvolvimento conjunto de todas as fontes renováveis, na complementação do papel das usinas hidrelétricas.
“Temos defendido a tese de que a metodologia atualmente utilizada nos leilões de energia não captura adequadamente os custos e benefícios das diversas fontes, e, assim, o preço final ofertado não reflete, em nossa visão, os custos globais do sistema”, argumenta o presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Limpa, Charles Lenzi. O executivo da Abragel reforça a relevância do retorno aos projetos de usinas hidreléticas com capacidade de acumulação nos reservatórios; observa que o planejamento oficial prevê participação de 16% das fontes alternativas na matriz até 2020; mas observa que não é tão difícil imaginar um cenário em que essa participação atinja 30% nas próximas duas décadas.
Para Lenzi, três grandes desafios se impõem às PCHs: a resolução de questões relacionadas à competitividade da fonte, a demonstração dos beneficios dessas usinas e a simplificação de processos regulatórios e ambientais.
Todos esses pontos serão levados pela Abragel ao Enase 2012 – 9º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, que ocorre entre os dias 8 e 9 de maio, no Hotel Sofitel, no Rio de Janeiro. Tradicional no setor, o evento é resultado de parceria do Grupo Canal Energia com ABCE (concessionárias), Abdib (Indústria de Base), Abiape (autoprodutores), Abrace (consumidores), Abraceel (comercializadores), Abrage (geradores), Abragef (geração flexível), Abraget (geradoras termelétricas), Abrate (transmissoras), Anace (grandes consumidores), Apine (produtores independentes), Abragel (geração limpa), ABCM (carvão mineral), ABEEólica (energia eólica), Abdan (nuclear), Abradee (distribuição) e Cogen (cogeração). Confira abaixo a íntegra da entrevista do presidente da Abragel:
Agência Canal Energia – A situação das diferentes fontes renováveis mostra que todas, sem exceção, precisam de algum tipo de estímulo para se tornarem competitivas. O que pode ser feito para garantir igualdade de condições entre essas fontes na disputa pelo mercado?
Charles Lenzi – As Fontes Alternativas já desempenham um papel muito importante na matriz elétrica brasileira, pois são vetor fundamental para o desenvolvimento do país. Têm um impacto significativo, não só na geração de energia elétrica, mas também, na configuração da matriz elétrica brasileira como uma das mais limpas do mundo.
Um tratamento isonômico é a condição fundamental para garantir a igualdade de condições. Temos defendido a tese de que a metodologia atualmente utilizada nos leilões de energia não captura adequadamente os custos e benefícios das diversas fontes, e assim, o preço final ofertado não reflete, em nossa visão, os custos globais do sistema. Se uma fonte paga ICMS na aquisição de seus equipamentos, ela acaba tendo um preço maior pela energia gerada. O imposto neste caso é considerado um custo que onera determinados empreendimentos, ao contrário de outros. Por outro lado, ao pagar ICMS, os empreendimentos estão contribuindo para investimentos estaduais em saúde, segurança, educação, que são benefícios diretos para a sociedade, mas que não são considerados na análise dos preços da energia. O mesmo raciocínio vale para os custos de transmissão associados, que não são levados em consideração nos leilões de energia.
Agência Canal Energia – Que avaliação a Abragel faz sobre o papel da energia renovável na matriz elétrica brasileira?
Charles Lenzi – Independentemente das questões abordadas na pergunta anterior, é fundamental manter o crescimento de todas as fontes alternativas e renováveis. Em relação às fontes alternativas precisamos entender que a melhor solução é garantir o desenvolvimento de todas fontes – PCH, Eólica, Biomassa e a Solar – quando for o caso – em função de sua complementariedade. A solução ótima destas fontes é trabalhar em conjunto. O melhor de cada uma só é obtido na medida em que as outras coexistam para garantir o melhor mix de geração. Por isso defendemos o leilão por fontes, onde se obtém o melhor de cada fonte.
Um outro aspecto que precisamos endereçar é a relevância da volta dos reservatórios com armazenamento nas hidrelétricas. Nossa capacidade de armazenamento está diminuindo e isto tem sérios impactos na confiabilidade da geração. Se não tivermos reservatórios de acumulação, a saída será investir em térmicas. A sociedade precisa entender quais as consequências de uma ou outra escolha.
Agência Canal Energia – Qual é o potencial de crescimento da participação dessa energia na matriz?
Charles Lenzi – Nenhum país do mundo tem o potencial do Brasil. As Fontes Alternativas vão representar 16% da matriz elétrica em 2020 de acordo com o PDE2020. Nosso potencial pode permitir que avancemos mais. Só de PCHs, vislumbramos um potencial de mais de 20 MW em projetos e estudos já desenvolvidos. O potencial de Eólica e Biomassa é imenso e ainda teremos a Solar nos próximos anos. Assim, imaginar um cenário com 30% de fontes alternativas não é algo muito difícil. Acredito que até 2030 isso será possível.
Agência Canal Energia – Quais são os grandes gargalos a serem superados para que as PCHs voltem a participar dos leilões de expansão?
Charles Lenzi – Temos três grandes desafios. O principal deles é equacionar as questões relativas à nossa competitividade. Entender quais aspectos são conjunturais e quais são estruturais. Fazer o dever de casa em relação a melhoria de custos e processos, otimização de projetos, padronização de equipamentos, enfim, repensar o que é possível em termos de engenharia, novas tecnologias e materiais e inovação.
Por outro lado, precisamos também demonstrar os benefícios das PCHs que hoje não estão sendo computados, tais como os custos evitados de transmissão e a capacidade de contribuir com a geração em horário de ponta.
Os outros dois desafios têm a ver com a ideia de simplificação dos processos regulatórios e ambientais. Entendemos que trabalhando em conjunto com o regulador e com os órgãos ambientais poderemos melhorar e adequar a qualidade dos projetos de forma a darmos maior celeridade a estes processos que também acabam trazendo grandes impactos em custos.
O ciclo de desenvolvimento de uma Pequena Central Hidrelétrica – PCH consome atualmente mais de 10 anos. Reduzir este tempo é fundamental para o setor.
Agência Canal Energia – Qual deve ser o foco do planejamento energético de longo prazo e qual o papel das PCHs nesse planejamento?
Charles Lenzi – O planejamento deveria ser mais determinístico e refletir o real perfil da expansão a ser contratada. A configuração da matriz elétrica deveria ser algo conhecido com muita antecedência. Isso significa que além da modicidade tarifária, precisamos levar em conta a confiabilidade e a segurança do sistema, as políticas industriais e tecnológicas e o suprimento de ponta.
É necessário integrar o planejamento da geração e da transmissão para evitar que eventuais atrasos na construção de linhas impeçam a entrada em operação de usinas. Os preços deveriam representar os custos globais do sistema para garantir tratamento isonômico entre as fontes. Acreditamos que o leilão por fontes e, eventualmente, regionalizado, seria a melhor forma de se obter a solução ótima no uso dos potenciais de cada fonte de energia, respeitando-se as complementariedades das fontes, além das particularidades e heterogeneidades regionais.
Agência Canal Energia – O que deve ser aperfeiçoado nos mecanismos de mercado para garantir que pequenos e médios empreendimentos de geração ampliem sua participação no ambiente de livre comercialização de energia?
Charles Lenzi – O grande problema hoje é viabilizar a contratação de energia no longo prazo, para que o mercado livre possa ser também um importante vetor na expansão da geração de energia elétrica. Atualmente o financiamento da expansão só é possível com contratos acima de 10 anos. Uma das questões que precisam ser aperfeiçoadas é a metodologia de cálculo do PLD. Na medida em que o PLD reflita melhor as reais condições do mercado, entendemos que o os consumidores terão maior estímulo para contratar energia elétrica em prazos mais longos.
Outros aperfeiçoamentos regulatórios também são importantes para fortalecer o mercado livre: permitir a venda de excedentes, implementar a figura do comercializador varejista e simplificar os requisitos de medição para a conexão de novos interessados em adquirir energia no mercado livre.