Em: 19/05/2015 às 15:55h por

Chega hoje ao Brasil o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang. Traz consigo uma comitiva de 150 empresários, e diversas propostas de negócios — dentre as quais a de aplicar US$ 50 bilhões na nossa infraestrutura. Além de um grande momento para as nossas relações diplomáticas e econômicas, pode ser uma extraordinária oportunidade para ampliar a discussão sobre o tema do financiamento de infraestrutura e o papel do Estado. Uma discussão que é absolutamente crucial para o crescimento e o futuro do país.

Na China, quem financia grande parte dos investimentos em infraestrutura é o banco de desenvolvimento chinês (CDB). Para tal, o CDB se tornou o segundo maior emissor de títulos de dívida (debêntures) no país, somente atrás do Ministério da Fazenda chinês. Os títulos são vendidos diretamente a consórcios de bancos locais — também públicos — com prazos longuíssimos, algo raro mesmo nas economias mais desenvolvidas. Apesar dos prazos largos e dos riscos de obras de infraestrutura, os títulos emitidos pelo CDB são considerados ativos de risco nulo por diversas razões. Entre elas, três parecem significativas: o próprio governo dá garantias explícitas ou implícitas; as empresas construtoras são públicas, o que permite um melhor monitoramento e mitigação dos riscos, especialmente nas fases de desenvolvimento e construção; e, por fim, os títulos são emitidos em moeda local, o que evita descasamento cambial entre os fluxos de caixa das construtoras e os repagamentos das debêntures. 

E, com um esquema tão sólido, e um interesse estratégico no desenvolvimento de infraestrutura de seus principais parceiros, não surpreende que na próxima semana, por exemplo, o CDB seja um dos principais bancos públicos por de trás da oferta de cerca de US$ 50 bilhões para nossa infraestrutura. É uma fórmula que tem sido utilizada amplamente pela diplomacia econômica chinesa: de acordo com um banco de dados desenvolvido por Kevin Gallagher e Margaret Myers da universidade de Boston (ver thedialogue.com/map-list), entre 2005 e 2014, os bancos chineses emprestaram quase US$ 120 bilhões para a América Latina e Caribe. Quase a metade (US$ 56 bilhões) foi para Venezuela, seguido pelo Brasil (US$ 22 bilhões), Argentina e Equador (US$ 10,8 bilhões). Cerca de US$ 50 bilhões foram para infraestrutura; US$ 32 bilhões para energia; e US$ 5,8 bilhões para mineração. É um volume superior ao realizado pelo Banco Mundial e Banco Interamericano em conjunto. 

A visita do primeiro-ministro Li Keqiang tem uma importância para a economia chinesa. Afinal, trata-se de ampliar a relação com um país que ja é um grande parceiro comercial, e um grande destino de investimentos cruciais para uma nação carente em recursos naturais e muito dependente de produção agrícola estrangeira. Também é uma forma de trazer negócios para suas construtoras, para seu setor de bens de capital e para seus agentes financeiros. Mas, para o Brasil, a visita pode ir além dos aspectos comerciais tradicionais — especialmente porque pode, direta ou indiretamente, ajudar-nos a encarar um importante gargalo econômico: o da infraestrutura, um dos principais pilares para o aumento da produtividade e da competitividade das nossas empresas. 

Olhando para o que é feito na China, mas também em outras economias do grupo das vinte maiores economias (G20) temos no financiamento da infraestrutura (e da logística) um desafio hercúleo. Afinal, nossos bancos e investidores locais ainda estão acostumados a operar com prazos relativamente curtos e com rendimentos elevados e, que eu saiba, têm limitações até de equipes de monitoramento de obras de infraestrutura. Já os bancos e fundos estrangeiros, que têm tais estruturas e estão mais acostumados a financiar infraestrutura, antes de entrar fortemente no país, querem garantias mínimas para mitigar alguns riscos — a começar pelo cambial. 

Até o momento, o papel do BNDES tem sido crucial, mas inferior às nossas necessidades. Ele se tornou o maior financiador de projetos de infraestrutura. Ainda assim, nosso banco de desenvolvimento tem suas restrições: por exemplo, como tem limitações no monitoramento dos riscos de construção, seus técnicos exigem que as empresas tomadoras ofereçam grande quantidade de garantia. Em um país em que os investimentos em infraestutura são enormes, este esquema de financiamento acaba por limitar, na fonte, a capacidade financeira das empresas para alavancar recursos. Limitado pela sua capacidade de financiar diretamente, e sob pressão para reduzir seu tamanho, equipes do BNDES, e outras partes do governo, estão procurando, a toque de caixa, desenvolver mecanismos alternativos para alavancar recursos privados (nacionais e estrangeiros). Isto é saudável, importante e deve ser feito — até como instrumento de política de desenvolvimento de instrumentos privados de financiamento de longo prazo. 

O que preocupa um pouco neste saudável debate, entretanto, é que ele muitas vezes está impregnado de discussões que transpõem o problema a ser enfrentado. Por exemplo, não consigo imaginar uma solução sem que o BNDES tenha um papel absolutamente central como ponto focal na definição de instrumentos. Afinal, nenhum outro agente público tem a experiência e o conhecimento das equipes do BNDES em financiar e acompanhar projetos de investimento. Também me parece difícil ampliar os esquemas de garantia existentes sem empenhar recursos públicos que os lastreiem — pelo menos inicialmente. Claro que é possível desenvolver instrumentos e mercados privados, mas temos um largo caminho a percorrer, e necessidades imediatas de expandir o financiamento de infraestrutura — sem os quais estaremos abrindo um foco de produtividade e competitividade em relação a nossos principais parceiros/competidores. 

Neste sentido, creio, a oportunidade da visita do primeiro ministro Li Keqiang e de sua comitiva vai além dos negócios e dos US$ 50 bilhões que prometem trazer para nossa infraestrutura. Ela pode suscitar uma importante discussão sobre o financiamento de longo prazo e sobre o papel das instituições e das políticas públicas para rompermos com o atual impasse que temos nesta área. Uma oportunidade talvez de olharmos para o que as economias industriais e emergentes estão fazendo, com grau maior e menor de êxito — e de tornar a discussão mais pragmática. 

Em suma: que venham os chineses e sejam muito bem-vindos. Que nos tragam bons negócios, mas, principalmente boas ideias. Precisamos muito dos dois para superar nosso mal momento atual.
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