Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição

de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

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O aumento na conta de luz e a geração solar distribuída: Descortinando a sombra com um pouco de “Luz”

Em: 22/06/2021 às 08:36h por Canal Energia

A opção de mudar a política de incentivo ao setor de renováveis, entretanto, foi mais fácil naqueles países que adotaram a opção do subsídio explícito – tarifas feed-in – do que nos países, como o Brasil, que adotaram o subsídio implícito por meio da estratégia de faturamento líquido.

 

ARTIGO

SAMUEL J. C VIEIRA, DA ABRADEEEspecialista em regulação na Abradee


Durante meus estudos dos impactos tarifários da expansão da geração solar distribuída entre os consumidores residenciais brasileiros, duas coisas sempre vinham à minha mente: i) “o setor elétrico é uma imensa estrutura de custos, na maior parte fixos, que chega a 99,8 % das residências no Brasil a ser paga por alguém”; ii) “o sol é de graça, mas o uso das redes de distribuição, e a segurança energética do país, não”. Esses dois pontos martelavam na minha cabeça já no ano de 2018 quando decidi aprofundar o assunto na pesquisa do meu doutorado em planejamento energético.

Desde a adoção da Resolução Normativa 482 em 2012 pela ANEEL, a instalação da micro e mini geração solar no Brasil vem gozando de descontos tarifários generosos, a capacidade instalada no país hoje já é superior a 5,8 GW (ANEEL, 2021) e cresce a uma velocidade espantosa – em dezembro de 2019 a capacidade instalada era de 2,2 GW, em dezembro de 2020 4,71 GW mais que o dobro – uma taxa de expansão muito maior do que a das demais fontes limpas e renováveis como a eólica ou a hidrelétrica. Esse crescimento já representa mais de 3,3% da capacidade de geração no país. Qual seria então o problema desse desempenho espetacular?

Em primeiro lugar o custo dos painéis solares caiu – segundo dados da (IRENA, 2020) – essa queda foi de 59% entre 2013 e 2019 no Brasil. Tornando a tecnologia muito mais atrativa e competitiva no mercado nacional, garantindo retornos dos investimentos em projetos de geração distribuída com taxas superiores a 25% ao ano.

Em segundo lugar é preciso que entendamos como são construídas as tarifas residenciais no Brasil. Basicamente o que é feito se restringe a somar o custo eficiente de todas as empresas que compõe a gigantesca estrutura do setor elétrico nacional e cobrar a conta dos consumidores, essa conta é dividida conforme o custo que cada um desses consumidores imputa ao sistema elétrico. Ocorre que o valor cobrado não é apenas relativo ao elétron (a energia) consumida. Existem uma série de empresas (geração, transmissão, distribuição) que atuam para que essa energia chegue aos cidadãos brasileiros, bem como também existem objetivos de políticas públicas previamente acordados associados à universalização do acesso à energia elétrica (os chamados encargos tarifários dispostos na conhecida Conta de Desenvolvimento Energético – CDE), e impostos, que sustentam uma parte significativa da arrecadação dos governos, estaduais e federal. Os problemas, contudo, começam ao definir quem vai pagar essa conta, ou não, desse grande condomínio organizado nacionalmente.

Ao calcular alguns elementos que trazem “luz” ao impacto sobre as tarifas residenciais me deparei com algumas informações importantes, de cada 100 projetos de geração solar instalados nas residências Brasileiras, 5 projetos no final de 2020 geravam em média até 210 kWh, valor muito acima do consumo médio dos Brasileiros (em torno de 160 KWh), demonstrando que a esmagadora maioria das pessoas que fazem uso da tecnologia solar possuem renda mais alta, ou seja, painel solar é sim coisa de rico. As pessoas que hoje possuem esse equipamento economizam deixando a conta aos demais (que são mais pobres).

Além disso, ao se comparar o fluxo de caixa considerando o custo médio dos projetos de geração solar no Brasil frente a tarifa dos brasileiros nota-se que a tarifa média residencial no país foi de 0,78 R$/kW (somados os impostos) para o consumidor residencial “comum” e 0,45 R$/kW para o consumidor que instalou a tecnologia de geração solar na sua residência (que não paga impostos sobre seu consumo de energia, e não contribui para melhoria dos serviços públicos financiado por esses impostos). Esse resultado indica, além de uma renúncia tributária, que impede o estado de financiar seus projetos públicos, que a conta de luz de quem não instalou um painel solar em casa em 2020 já é 73% mais cara do quem não instalou. Será que ainda precisamos de tais descontas em tarifa para financiar esse subsídio? Será que essa conta vai continuar subindo?

Países que já passaram pelo que o Brasil tem passado observaram a conta de luz dos seus cidadãos subirem (GESEL, 2018). Enquanto o custo da tecnologia solar caia, caiam também os subsídios, esta foi a estratégia adotada. Isso aconteceu, na Itália, na Alemanha, em Portugal, na Austrália, dentre outras nações, que já experimentaram o que experimentamos hoje. A opção de mudar a política de incentivo ao setor de renováveis, entretanto, foi mais fácil naqueles países que adotaram a opção do subsídio explícito – tarifas feed-in – do que nos países, como o Brasil, que adotaram o subsídio implícito por meio da estratégia de faturamento líquido.

Essa enorme vantagem de custo, está no centro da explicação do porquê a geração solar tem expandido tão rápido no país. Avaliando cenários futuros, o estudo mostrou um dado ainda mais preocupante. No cenário Base, considerando as taxas médias de crescimento da tecnologia solar no país, o aumento das tarifas, considerando apenas os consumidores residenciais no Brasil – i.e. excluindo, consumidores rurais, industriais e comerciais – pode ser superior a 8% de elevação nas tarifas em 2025, se traduzindo numa queda na arrecadação de impostos (ICMS, PIS e COFINS) de mais de 6 bilhões, e uma queda na receita líquida das distribuidoras de mais de mais de 7 % nesse mesmo horizonte. Esta é uma combinação perigosa, perdem todos, consumidores, governo e contratos de longo prazo já assumidos a serem honrados.

A prova definitiva de que o subsídio a geração solar não é mais necessário no Brasil está em comparar a fatura média que seria paga pelo consumidor que instalou a tecnologia solar em casa com a fatura média nacional. Se fosse retirado todo subsídio a geração solar no Brasil já em 2020, a conta de luz de quem tem painel solar em casa seria de 0,69 R$/kW. Portanto quem tem gerador solar na sua residência, pagaria 9 centavos a menos do que o consumidor comum, tendo seu consumo não simultâneo faturado pela distribuidora com exceção da parcela de energia autogerada. A energia solar já é, portanto, mais competitiva do que as fontes convencionais.

Conclui-se que se a atual estratégia de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos for mantida no Brasil, ou seja, se o congresso nacional optar por manter os subsídios desnecessários para a geração solar distribuída, essa escolha tornará a conta de luz dos brasileiros ainda mais cara do que é hoje. Chegou o momento de repensar o subsídio, pois o custo já está na conta de luz dos Brasileiros e só vai aumentar!

Fontes na internet:

ANEEL. (27 de 05 de 2021). Geração Distribuida. Fonte: http://www2.aneel.gov.br/scg/gd/GD_Distribuidora.asp
GESEL. (2018). Experiência Internacionais em Geração Distribuída. Fonte: http://www.gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/IFES/BV/livro_experiencias_internacionais_em_gd.pdf
IRENA. (2020). Fonte: Renewable power generation in 2019: https://www.irena.org/-/media/Files/IRENA/Agency/Publication/2020/Jun/IRENA_Power_Generation_Costs_2019.pdf

Samuel J. C Vieira é físico mestre em economia, e doutorando em planejamento energético, especialista em regulação na ABRADEE.