A suspensão do fornecimento de gás natural em Mato Grosso completa um ano no próximo mês. A primeira etapa para solução deste problema ocorreu nesta segunda-feira (26), quando a Companhia Mato-Grossense de Gás (MT Gás) assinou contrato com a GasOcidente de Mato Grosso (GOM) para retomar o transporte de gás natural no Estado. 

O contrato de transporte é de 12 meses e deve ser renovado anualmente, conforme prevê legislação da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O fornecimento estimado será de 1,5 milhão de metros cúbicos de gás natural ao mês, pactuado em contrato firme com o país vizinho. Além do combustível, ainda haverá a entrega do gás natural veicular (GNV).

Enquanto isso, o governo do Estado trabalha na formação de uma sociedade entre a MTGás e a estatal boliviana Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB). 

“Estive na Bolívia na última semana, e concluímos as conversas sobre os termos que vão ser acordados em breve para a criação da sociedade entre Mato Grosso e a Bolívia. O objetivo é que possamos retomar o fornecimento o mais breve possível e fomentar a cadeia do gás no estado”, explica o presidente da companhia, Rafael Reis.

Para que o gás natural finalmente chegue às indústrias de Mato Grosso, ainda é preciso garantir o fornecimento do produto na Bolívia. Enquanto o acordo não é concluído, quem precisa do produto para trabalhar tenta equilibrar as contas e se manter otimista. É o caso de Heitor Tretin, dono da indústria Prol Móveis de Aço, em Várzea Grande.

“Estou muito ansioso para que isso se resolva. Dizem que o governo fez isso e aquilo e eu acho que está tendo muita conversa e pouca ação. Eu não estou aguentando mais, a empresa está dando prejuízos. Gasto 40 mil reais a mais por mês”, desabafa.

A falta do gás natural em Mato Grosso afeta diretamente o empresário, que investiu R$ 300 mil para adequar a planta da indústria à matriz energética. A previsão era uma economia com energia, mas em 2018 foi surpreendido pelo corte no fornecimento. Hoje, para manter a fábrica, o empresário compra gás GLP, gás de cozinha, 60% mais caro que o gás natural.

Medidas paliativas até a formação da sociedade

Paralelamente às negociações para formação da sociedade, a MT Gás também articula a assinatura de um contrato temporário de fornecimento com a estatal boliviana. Esse contrato terá duração de 12 meses e deve prevalecer até a conclusão da criação da sociedade.

A previsão é que neste contrato temporário a estatal boliviana abasteça Mato Grosso com 1,5 milhão de metros cúbicos por mês, de forma contínua.

Também está em estudo a formalização do fornecimento de gás natural por meio de uma nova sociedade, firmada entre a estatal mato-grossense e a boliviana Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB).

A GasOcidente é proprietária do trecho brasileiro do gasoduto que traz gás natural da Bolívia para o estado de Mato Grosso. O trecho brasileiro inicia na fronteira com a Bolívia, no município de Cáceres, e atravessa os municípios de Cáceres, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Várzea Grande e Cuiabá, até a Usina Termelétrica Cuiabá.

“Os bolivianos viram que Mato Grosso é o maior cliente em potencial deles nos próximos cinco anos, por conta da localização no meio da América e do gasoduto. Além disso, outras extrações de reservatórios de gás que abastecerão com mais facilidade outras localidades colaboram para que a perspectiva de mercado seja centrada no Estado”, avalia Rafael Reis, presidente da MT Gás.

Prospecção aponta que, a partir de Mato Grosso, será feita a expansão do fornecimento de gás para os estados de Rondônia, Tocantins, Goiás, Roraima e Acre. Para isso, será necessário investimento em infraestrutura a curto prazo, nos próximos cinco anos.

ECONOMIA NO KM

Prevendo uma maior margem de lucro ao trabalhar com o aplicativo de transportes Uber, Clovis Antônio de Sena, 72 anos, e seu filho Keloniuson Reines de Sena, 34, foram até São Paulo para comprar um carro com kit de gás. A compra foi concluída e Keloniuson começou a trabalhar na capital, mas a alegria durou só duas semanas.

“Fomos comprar em São Paulo, porque aqui não tinha. Gastamos com viagem, pedágio, hospedagem e depois ainda tivemos que levar o carro para Mato Grosso do Sul para fazer a certificação e inspeção para o Detran daqui liberar a documentação. Chegamos aqui e com duas semanas o gás acabou”, lamenta o aposentado.

Durante as duas semanas circulando com o veículo, Clovis constatou as vantagens do combustível e agora reza para que o fornecimento seja restabelecido.

“Hoje a gente gasta o triplo com o combustível e estamos usando álcool. O gás natural é maravilhoso e bem mais barato. O carro no trânsito de Cuiabá rodava 170 quilômetros com o cilindro, era uma economia incomparável”, recorda.

Na época, em 2018, o aposentado pagava apenas R$ 24 para abastecer os dois cilindros instalados no veículo do modelo Grand Siena.

“Fizemos um esforço para ter uma margem de lucro e estamos orando para que Deus abençoe. Estamos esperançosos para que esse acordo [sociedade] saia logo”, reforça Clovis.

A volta do fornecimento também é esperada pelo empresário Luiz Flávio Blanco, dono do posto de combustível Santa Eliza, na Miguel Sutil, em Cuiabá. Um dos poucos lugares com infraestrutura para abastecer veículos a gás. 

“A infraestrutura do posto está instalada aguardando o retorno. Os consumidores perguntam diariamente sobre o retorno, mas falta informação do governo do Estado a respeito do retorno. Um problema da gestão passada que continua nesta”.

Para Luiz, o prazo para a volta do gás natural já estourou e corre-se o risco de os usuários se desfazerem dos investimentos. A consequência disso seria a redução de veículos a gás, que inviabilizaria a venda.

Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt), na época da suspensão, apontava a existência de 1.600 veículos equipados com o kit para abastecimento a gás em Cuiabá. Desses, quase 800 eram de taxistas de Cuiabá e Várzea Grande – quase a metade da frota de táxis.