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de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

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Práticas internacionais na gestão de risco contra a quebra das comercializadoras no Brasil

Práticas internacionais na gestão de risco contra a quebra das comerci

Em: 01/04/2019 às 10:35h por

A recente crise ligada à exposição financeira de duas comercializadoras de energia no Brasil (Vega Energy e Linkx Energia) mostrou que, por mais que haja um consenso em relação ao potencial de crescimento do mercado livre de energia no país, agentes do setor ainda se deparam com os problemas de um sistema de negociação limitado e passível de aprimoramentos.
Diante dos desafios, as associações e autoridades regulatórias reagiram rapidamente com propostas de ajustes –já tão esperados. São ações que englobam maior critério na análise de riscos da contraparte, implementação de medidas preventivas como a contabilização e a apresentação de garantias em periodicidade semanal, além de auditorias nos balanços das comercializadoras.

Dentre as iniciativas, destaca-se a criação de um selo de qualidade proposta pela Abraceel. Ao certificar suas próprias comercializadoras, a associação estimularia a adoção de melhores práticas mediante a aprovação dos quesitos: risco, disclosure, supervisão e governança. As práticas garantiriam o aperfeiçoamento do mercado livre no longo prazo.

A ANEEL, por sua vez, anunciou em março que, baseada na Resolução Normativa 678 de 2015, pretende fazer uma análise de riscos da cadeia societária dos agentes, além da revisão das regras que autorizam a operação das comercializadoras. Sob a orientação de um Ministério de Minas e Energia pró-mercado e cientes de que a interferência nas regras pode atrasar a abertura do mercado livre, a ANEEL está direcionando aos próprios agentes a criação de novos mecanismos que podem levar a modelos já adotados no exterior, como mercado de bolsa e clearing.

Uma gestão de risco mais robusta dos agentes comercializadores não passa somente por exigências regulatórias e conformidade jurídica. A adoção de práticas diversificadas é do interesse econômico estratégico das próprias comercializadoras que podem, assim, administrar melhor suas margens, explorar vantagens competitivas e atrair capital.
Destaco duas tendências de gestão de risco a exemplo do mercado internacional e que, num futuro próximo, podem ser praticáveis também no Brasil.

A primeira é a criação de um mercado de derivativos de energia que cria a opção por liquidações financeiras – em complementação ao existente mercado de balcão brasileiro. Tal como ocorre nos mercados futuros e mercados de bolsa, de um modo geral, os agentes financeiros não visam a entrega física do ativo. Seu objetivo é atuar como contraparte das empresas que querem melhorar o gerenciamento das oscilações de preços dos insumos que negociam.

No Brasil, já existem importantes iniciativas que permitem estruturar essas transações, sendo a principal delas a formação da B3 em 2017. Além disso, alguns participantes do setor elétrico tentaram implementar um modelo de bolsa. São os casos da BBCE e da Brix, que já possuem uma plataforma de negociação de energia. Entretanto, as bases para a liquidação financeira dos contratos de compra e venda (de balcão) é o mesmo PLD usado na CCEE para refletir o preço da energia no curto prazo. A BBCE anunciou que pretende implementar o mercado de derivativos ainda em 2019 – só depende da aprovação da CVM.

A ideia é muito bem-vinda pois os derivativos no mercado de energia elétrica proporcionam benefícios que vão além da gestão de risco das próprias comercializadoras. Ao contribuir para a liquidez das transações, esses instrumentos reduzem a volatilidade e os preços e viabilizam projetos e empreendimentos. Hoje é possível fechar PPAs de médio prazo no mercado europeu com um prêmio sobre o preço de curto prazo para o produtor (em outras palavras, com um “custo negativo” da comercialização de energia).

A segunda tendência que pode ser muito benéfica são os investimentos em ativos físicos por parte de comercializadoras – o meio mais direto de eliminar a volatilidade de preços (e custos) na garantia do próprio lastro – principalmente para ativos de energia renovável, que têm custos de operação altamente previsíveis.

Tal opção, no entanto, apresenta dois desafios. O primeiro advém do fato de que a aquisição de ativos físicos é intensiva em capital e requer a incorporação de capital humano e competências próprias para a aquisição e gestão de tais ativos.
O segundo é resultado da característica mais inerente das fontes renováveis: sua intermitência. Utiliza-se da gestão microclimática para complementar a venda da energia proveniente dessas fontes nos mercados de curto prazo, mas tal sofisticação não é suficiente para criar uma margem na gestão de cargas, fazendo com que o mercado aposte em soluções de armazenamento de energia.

A recente aquisição pela Shell da alemã Sonnen responde a este desafio. A comercialização de energia é um segmento de peso da multinacional, que por meio da New Energies vem investindo na liderança mundial em descarbonização e eletrificação.

Engana-se, porém, quem acredita que a alternativa por investimentos em ativos físicos é um divisor de águas entre agentes de maior e menor porte. A combinação com a geração distribuída torna esse modelo de negócio atrativo para comercializadoras também de pequeno porte e atuação regional. Um bom exemplo é a alemã Nextkraftwerk que, valendo-se do ambiente liberalizado na distribuição, cresceu de um player local para um case de sucesso na Europa.

É prudente observar que esses dois exemplos necessitarão de tempo e certo desenvolvimento para se consolidarem como instrumentos de liquidez e gestão de risco no mercado brasileiro, e também para atingir escala de operação e resultar em redução de custos para o consumidor final.

As medidas da ANEEL de fortalecer o papel institucional na regulação e fiscalização do nível de governança dos agentes são de primordial importância, sobretudo quando somadas, no futuro, à regulação e fiscalização da CVM em relação aos contratos financeiros. Tais medidas que fortalecem a governança dos agentes devem, nas palavras do líder da ANEEL, André Pepitone, ser implementadas “para ontem”. Acerta quem reconhece que esse futuro já começou.

Fonte: Canal Energia